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A cultura do cancelamento segundo a ótica cristã



Você tem medo de ser cancelado? Qual o seu grau de dependência da consciência alheia? Há algo em você digno de defesa? Seu compromisso é com os homens? Eu nem precisaria desenvolver cada uma dessas perguntas, pois creio que o leitor já entendeu em que solo o cancelamento brota. Em síntese, o cancelamento frutifica apenas na vida daqueles que ainda não foram crucificados para este mundo (Gálatas 2.20). Se você estivesse de todo mortificado para as paixões da carne, absolutamente nada, muito menos críticas dos que estão mortos espiritualmente, afetaria seu espírito. Tomás de Kempis, em seu maravilhoso livro Imitação de Cristo, coloca isso de forma brilhante: 

"Que há que mais te embarace e perturbe do que os afetos imortificados de teu coração?" (Livro 1.3.3) 

"Se estivéramos inteiramente mortos a nós mesmos e menos embaraçados no nosso interior, poderíamos saborear as coisas divinas e ter alguma experiência da contemplação celestial. O maior, o único obstáculo é que não nos desvencilhamos das paixões e concupiscências nem nos decidimos a entrar no caminho perfeito dos santos. Mal surge uma pequena contrariedade, deixamo-nos logo entrar de desânimo e voltamos às consolações humanas." (Livro 1.11.3) 

E, para deixar o leitor ainda mais nocauteado, não poderia deixar de expor a minha parte preferida em Kempis: 

"E por que razão te ferem tão leves coisas senão porque és ainda carnal e te preocupas demasiadamente com os homens? Temes ser desprezado, e por isso não queres ser repreendido de tuas faltas e procuras defender-te com desculpas. Mas examina-te melhor e verá que vive ainda em ti o mundo e o vão desejo de agradar aos homens. Pois, já que foges de ser abatido e confundido por causa dos teus defeitos, mostras claramente que não és verdadeiramente humilde, nem inteiramente morto ao mundo, e que o mundo não está de todo crucificado para ti (Gál 6,14)" (Livro 3.46. 1-2) 

Um ímpio mergulhado nessa cultura do cancelamento não vai entender nada disso. Lembre-se de que o pai deles, Satã, orquestra a vida de cada um em eterna miséria de dependência dos amores terrenos, como amizades pueris, sexo casual, brincadeiras frívolas, inversão de valores morais, controle da vida alheia e consciência frágil à mínima crítica do próximo. Tudo isso culmina, invariavelmente, em sutil entorpecimento depressivo, extrema ansiedade, lamentos, choro, drogas, busca de redenção no álcool e/ou no sexo, além de não pouco suicídio. A vida do ímpio é uma desgraça sem fim. 

Quanto aos cristãos, contudo, vivemos numa perene mortificação do eu, através da qual nada desse mundo pode abalar nossa firme consciência. Jesus foi mais do que cancelado com críticas e contrariedades, como também foi zombando impiedosamente, cuspido, embebecido com vinagre, etc. Mas seguiu firme, inabalável, confiante, triunfantemente glorioso, sabendo que sua alegria não está nesse mundo, e em silêncio foi para a sua morte. Em todo processo de pesado cancelamento, ele ainda manifestou perdão e intercedeu pelos canceladores assassinos. No fim, pediu para que o imitássemos. Tu tens feito isso diante das contrariedades? 

Quanto ao senhores importantes da sociedade, quem será o próximo a ser virtualmente cancelado? Esse vício de condenar da turba raivosa é alimentado pela própria fragilidade da consciência do cancelado que, diante de erro (ou não), está sempre a procura de agradar essa patotinha hiperminúscula, que só subsiste atrás das redes, como parasitas subservientes da lacroesfera progressista, afoita, cheia de ódio da vida, hipersensível à críticas, floquinhos de gelo que derretem na primeira contrariedade mais quente, emburrecidos marxisticamente pela cultura socialista de caotização da sociedade. Ou seja, aquele adolescente entre 16 e 40 anos, frustrado, de cabelo azul, que está fumando maconha numa universidade federal há 3 décadas, nunca se forma, com suvaco peludo, amante do Lula, cheio de piercing, tatuagem e que ainda acha que pode mudar o mundo, sendo que nem ao menos consegue mudar seu próprio interior. Diante disso, eu indago: como que deixamos essa cultura do cancelamento vingar? 

Há uma briga acirrada pelo título de mimado da vez, pois, se por um lado, os canceladores são esses desajuizados com pedras nas mãos, mas mortos moral, cultural e espiritualmente, por outro lado, temos o símbolo da fraqueza de consciência, que só atrai ainda mais violência moral. São os que ainda estão mamando as necessidades baixas desse mundo, sobretudo por aprovações humanas. Que estado deplorável esse de se prostrar aos adolescentes eternos. 

E qual é o critério do juízo dos canceladores? É muito simples. Existe um cartilha, e quem pisar fora dela deve ser massacrado. São julgamentos totalmente mancos, errantes, carentes, nada comprometidos com o arrependimento. Pelo contrário, pois quando o cancelado se humilha pedindo perdão, é nesse momento que a turba cresce e esmaga. Eles são diabolicamente sedentos pelo sangue do sofrimento e da humilhação pública. Todo aquele, portanto, que urinar fora do penico ideológico do esquerdisticamente correto, será fritado violentamente sem um mínimo de misericórdia. 

Mas há jeito. Nem tudo está culturalmente perdido. Há antídotos que precisamos usar contra esses conceladores. Oferecerei dois: 

1) Morra para esse mundo e não ponha sua dependência aqui. "Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas." (Filipenses 3.20-21). Não ponha sua confiança nos homens. Eles te auxiliam hoje, mas amanhã te apunhalam pelas costas. Ame unicamente a Deus e tenha sua consciência em paz com sua santificação. Busque fazer o que é correto sempre e jamais dê razão para a crítica alheia. Se cancelarem, que sejam injustamente. Neste caso, você já tem um Cristo para imitar. Por fim, conforme Kempis diz abaixo, não ponha seus olhos na vida pública e não fique preocupado se será cancelado ou não: 

"Não dês grande importância em saber quem está por ti ou contra ti, mas cuida que Deus seja sempre contigo em tudo o que fizeres. Tem boa consciência e Deus será teu defensor; a quem Deus ajuda nenhum mal fará a malícia dos homens. Se souberes calar e sofrer, o Senhor virá sem dúvida em teu auxílio. Ele sabe o tempo e a maneira de livrar-te; entrega-te, pois, nas suas mãos. De Deus é que vem o socorro, Ele é que livra de toda confusão. Para melhor conservar a humildade muito convém algumas vezes que os outros conheçam os nossos defeitos e no-los lancem em rosto. (Livro 2.2.1) 

2) Não peça desculpas para uma turba raivosa, com pedras e paus nas mãos e com olhos cheios de sangue, pois eles querem apenas que você assuma que errou para te arrebentarem de vez. Na religião dos homens, o suposto arrependimento gera apedrejamento e não há um pingo de compaixão. Os homens são maus, perversos e rápidos em matar, ainda que façam virtualmente. Muitos estão te seguindo apenas para ver a sua queda, te vigiar e te cercar com a foice e o martelo na mão. Não pense que muitos desses que te aplaudem hoje são bonzinhos que te amam, pois Jesus tinha uma multidão muito maior que a sua, mas, no fim, essa multidão se dissipou, e muitos daqueles que estavam cantando "Hosana nas alturas" (Mateus 21.9), passaram a gritar "crucifica-o" (João 19.6). Portanto, cuidado com seu pedido de desculpas a quem não está interessado em sua restauração. 

Quando Jesus falou, certa vez, que seríamos como ovelhas no meio dos lobos, ele complementou dizendo que deveríamos ser simples como a pomba, mas prudentes como a serpente (Mateus 10.16). Em nosso contexto, isso significa que, como uma pomba, devemos buscar a paz com todos, pedir perdão quando erramos ofendendo algum irmão, e buscar sempre a reparação ao próximo e a emenda de nossa vida. Entretanto, ao mesmo tempo, com a sabedoria do alto, devemos ser como serpentes, com uma sagacidade que nos impede de uma humilhação que nada tem a ver com a humildade. Aqui se encontram os pedidos de perdão aos canceladores diabólicos. Satã não merece nosso perdão. 

Geralmente, a nossa melhor atitude diante de um cancelamento injusto é o silêncio ancorado na paz de uma consciência tranquila. Talvez, alguns de vocês cristãos terão que assumir culpas através do silêncio, não se defendendo publicamente diante da turba odiosa. Particularmente, eu já tive que assumir silenciosamente erros que não cometi, mesmo sendo massacrado por alguns, mas jamais traí minha consciência de assumir pecados através de um falso arrependimento que visa agradar apenas homens. Deus busca retidão não apenas no reconhecimento do erro, mas também na luta pela verdade e na defesa justa do acerto. Muitas vezes isso é feito em silêncio, onde apenas Deus atua e a gente se cala. Ele é o Senhor e sabe a hora certa de justificar cada filho seu. Quanto a isso, Kempis, novamente, acerta em cheio: 

"Facilmente viverá em paz e contente quem tiver a consciência pura. Não és mais santo porque te louvam nem mais desprezível porque te censuram. És o que és; e o que poderão dizer de ti não te fará maior do que vales aos olhos de Deus. Se considerares o que és em teu interior, não se te dará do que de ti disserem os homens. O homem vê o rosto, Deus, o coração; o homem considera as ações, Deus pesa as intenções. Agir sempre bem e ter-se em pouco, indício é de alma humilde. Não querer consolações das criaturas sinal é de grande pureza e confiança interior." (Livro 2.6.3) 

Por fim, conforme acabou de dizer Kempis, mais importa, no fim das contas, o que Deus pensa de nós. Devemos, obviamente, sempre buscar manter um bom testemunho diante dos homens, mas nossa maior preocupação deve ser com a vida que levamos diante de Deus em nosso privado. É ali que somos realmente. É ali que Deus e Satã nos enxergam. O que Deus pensa de cada um de nós não é medido pela nossa vida pública, mas principalmente privada. É a partir de nosso compromisso com a santidade no privado que poderemos ouvir o mais doce testemunho a nossa respeito, ou a mais terrível declaração final: 

"Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo." (Mateus 25.34) 

"Apartai- vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos;" (Mateus 25.41) 

Esse será o maior cancelamento da história, por toda eternidade, e sem misericórdia. Deus será o justo cancelador, cheio de ira e justiça, e nenhum homem poderá resistir.

Rodrigo Caeté 

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