Qualquer um está sujeito a sofrer da síndrome do Salmo 73, que é quando tiramos as lentes da soberania divina e passamos a enxergar, com certo ciúme, uma suposta prosperidade na vida do ímpio. Alguns, como o salmista, chegam a dizer:
"quando vi que tudo ia bem para os orgulhosos e os maus, quase perdi a confiança em Deus porque fiquei com inveja deles. Os maus não sofrem; eles são fortes e cheios de saúde. Eles não sofrem como os outros sofrem, nem têm as aflições que os outros têm." (Salmo 73.2-5)
Você realmente nunca pensou assim? Nunca achou que um ímpio prosperava, seja física ou financeiramente, mais do que você? Infelizmente, isso é mais comum do que podemos imaginar, e não foi inspirado na Bíblia à toa, mas para a nossa reflexão e santificação, se assim temos pensado.
Precisamos aprender que nem sempre Deus acerta as contas no outono. Eu tirei essa expressão de uma análise feita por Martyn Lloyd-Jones acerca deste Salmo. Assim ele disse:
"Precisamos aprender a lição que um velho ministro da América ensinou a um agricultor. Este lavrador decidiu, num verão particularmente úmido, que faria sua colheita num domingo. O velho ministro advertiu-o, bem como a outros, do perigo disso. Mas este homem decidiu que o faria, e ele teve maravilhosas colheitas e o seus celeiros ficaram estufados. Ele disse ao velho ministro, quando o encontrou certa ocasião, que a sua prédica só podia estar errada: 'calamidade repentina não desceu sobre mim', disse ele; 'os meus celeiros não pegaram fogo; Deus não matou nenhum dos meus filhos, nem me tirou minha esposa. Contudo, eu fiz a coisa que o senhor sempre me admoestava que não fizesse por causa das consequências que se seguiriam. Nada aconteceu, porém. Que dizer de sua pregação agora?' O velho ministro fitou o lavrador e respondeu: 'Nem sempre Deus acerta as suas contas no outono'. Nem sempre o faz imediatamente..." (Lloyd-Jones, Martyn. Por que prosperam os ímpios? Um estudo no salmo 73. São Paulo, editora PES, 1983, p.137)
Ocorre que raramente temos a visão desse ministro que sabia que Deus é justo, e acertará suas contas mais cedo ou mais tarde. Mas o problema maior é quando nossa inveja do ímpio nos faz desanimar de nossa própria santificação, como estava acontecendo com o salmista:
"Parece que não adiantou nada eu me conservar puro e ter as mãos limpas de pecado. Pois tu, ó Deus, me tens feito sofrer o dia inteiro, e todas as manhãs me castigas." (Salmo 73.13-14)
Sabe o que é isso? A visão miserável da teologia da prosperidade; a ingraciosa teologia das obras, que insistem em habitar no coração de todo homem, mesmo após a salvação pela graça. Quando enxergamos essa suposta prosperidade na vida do ímpio, sepultamos as doutrinas da soberania e justiça de Deus, e passamos a achar que o nosso julgamento é melhor. Nossa tendência imediatista revela não apenas o nosso estado ansioso e orgulhoso, como também esse escondido desejo de ser Deus.
Ademais, quem assim pensa está a usar o próprio padrão ímpio de julgamento, uma vez que desconsidera todos os ordenamentos bíblicos quanto ao juízo final. O próprio salmista demonstra o quanto estava afastado da visão cristã tendo esse tipo de pensamento:
"Então eu me esforcei para entender
essas coisas, mas isso era difícil demais para mim. Porém, quando fui ao teu Templo, entendi o que acontecerá no fim com os maus. Tu os pões em lugares onde eles escorregam e fazes com que caiam mortos. Eles são destruídos num momento e têm um fim horrível. Quando te levantas, Senhor, tu não lembras dos maus, pois eles são como um sonho que a gente esquece quando acorda de manhã. O meu coração estava cheio de amargura, e eu fiquei revoltado. Eu não podia compreender, ó Deus; era como um animal, sem entendimento. No entanto, estou sempre contigo, e tu me seguras pela mão. Tu me guias com os teus conselhos e no fim me receberás com honras." (Salmo 73.16-24)
Entrar no templo e enxergar o fim dos ímpios é como cair em si e voltar a usar as lentes da soberania divina. É agir como um cristão que confia em Deus. O salmista viu que essa suposta prosperidade era tão passageira, que todo prazer e alegria que pudessem experimentar aqui seriam esquecidos em poucos milésimos de segundos quando estivessem diante do justo Deus no inferno. Ali será sofrimento por toda eternidade. Quanto a nós, os cristãos, Paulo nos deixou uma palavra de consolo, espero que sirva a ti, caro irmão, se tem invejado a suposta boa vida do ímpio, e tem fraquejado em sua santificação por isso:
"Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas." (2 Coríntios 4.16-18)
Rodrigo Caeté
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