Sua dor no estômago pode revelar um grave pecado contra Deus. Repare na palavra "pode", pois, com essa afirmação inicial, não se quer dizer que as dores físicas não devam ser tratadas medicamentosamente, e nem que toda dor física estomacal é fruto do pecado. Feita essa ressalva aos precipitados policiais linguísticos de plantão, vamos ao ponto central.
Você já reparou que a Bíblia usa, vez por outra, a linguagem de certos órgãos do corpo para indicar algumas reações sentimentais? As que indicam o "coração" já são bem conhecidas do grande público, mas você já viu as sobre rins e entranhas, que apontam para as partes internas do abdômen, como intestino e estômago?
"Ah, entranhas minhas, entranhas minhas! Estou com dores no meu coração! O meu coração se agita em mim. Não posso me calar; porque tu, ó minha alma, ouviste o som da trombeta e o alarido da guerra." (Jeremias 4.19)
"E José apressou-se, porque as suas entranhas comoveram-se por causa do seu irmão, e procurou onde chorar; e entrou na câmara, e chorou ali." (Gênesis 43.30)
"Mas a mulher, cujo filho era o vivo, falou ao rei (porque as suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho), e disse: Ah! senhor meu, dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o." (1 Reis 3.26)
"As minhas entranhas fervem e não estão quietas; os dias da aflição me surpreendem." (Jó 30.27)
"Revesti-vos pois, como eleitos de Deus, santos, e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade;" (Colossenses 3.12)
"Porque Deus me é testemunha das saudades que de todos vós tenho, em entranhável afeição de Jesus Cristo." (Filipenses 1.8)
Há infindáveis textos, além dos já citados, que apontam o estômago como correlacionado com as emoções, como Salmos 22.14; Cantares 5.4; Jeremias 31.20; Lamentações 1.20; Filipenses 2.1; 1 João 3.17
Essa forma de descrever os estados emocionais era muito comum na língua semítica dos judeus. O ponto era indicar as dores da alma no ser, e não poucas vezes essas dores eram sentidas no aspecto físico. Davi expressou isso muitas vezes nos salmos. Um exemplo é o Salmo 32.3:
"Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia."
A literalidade não pode nos enganar, pois não se diz de ossos reais, mas de sua estrutura física total que sentia a dor do pecado. Outros salmos apontam para palpitações do coração e ansiedades físicas, por exemplo. Mas, voltando, ao nosso tópico, o que as dores no estômago podem nos indicar?
Deixarei, abaixo, uma citação do doutor e pregador, conhecido entre os reformados, Martyn Lloyd-Jones:
"Posso ilustrar a mesma coisa nos domínios da medicina. O que se faz na medicina hoje - e deixem-me lembrar-lhes que há modas até na medicina - é falar sobre medicina psicossomática. Afinal, a profissão médica descobriu que o paciente propriamente dito é importante. Até recentemente o seu interesse parecia estar na doença ou em partes particulares do corpo humano, enquanto que o paciente mesmo era ignorado. Um homem ia a um médico e o médico só se interessava pelas dores de estômago como devidas, assim pensavam eles, a condições localizadas no estômago - acidez, etc. Nos meus dias de estudante, se me perguntassem qual a causa mais comum da dor de estômago, e eu dissesse, 'preocupação e angústia', achariam que havia algo errado comigo e rejeitariam a minha resposta como anticientífica. Mas agora descobriram que essa realmente é a resposta. O corpo humano e seu funcionamento não é só matéria física; sua mente é igualmente importante no contexto da sua saúde. A angústia, a preocupação, todas essas coisas fazem a mente enviar mensagens a partes do corpo..."¹
De fato, um dos bons avanços da medicina foi passar a tratar as nossas mazelas físicas a partir da integralidade do ser, sendo contemplados tanto os aspectos físicos quanto emocionais. Por isso, muitas doenças se enquadram na classe dos psicossomáticos. Uma delas é chamada de "gastrite nervosa", mas há outras correlacionadas que indicam que a raiz é a maldita ansiedade. Dito de forma clara, a maior parte de nossas dores do estômago apontam para um desequilíbrio emocional, dentre eles a angústia e ansiedade. Ora, não estaria o nosso estômago hasteando a bandeira do pecado ao indicar dor? Não seria uma forma de gemer através das entranhas? Por isso, podemos afirmar que nossa dor no estômago pode revelar um grave pecado contra Deus.
Por que isso é grave? Não apenas porque, se não tratado, pode causar dores e problemas mais graves, mas, principalmente, porque pode indicar o estado de nossa alma. A ansiedade é uma louca tentativa de tomar o lugar de Deus, caminhando de mãos dadas com o orgulho. Vou explicar isso usando um texto bíblico:
"Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte, lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós." (1 Pedro 5.6-7)
Há uma ordem clara: "Humilhai-vos". Isso é dito a pessoas humildes ou orgulhosas? Obviamente, o foco é uma pessoa altiva e soberba. Por isso, a ordem para que haja uma humilhação. Mas o verso 6 não pode ser lido isoladamente. Pedro, no verso 7, nos mostra o "como". Esse verso 7 também não poder ser lido isoladamente. Há uma forte conexão gramatical, indicada pelo verbo no gerúndio: "lançando". Nesse sentido, teríamos a seguinte construção: "Humilhai-vos... lançando...". O ponto é que o apóstolo Pedro expressa um mandamento e indica o caminho para que se cumpra. Vamos à conclusão interpretativa: um orgulhoso deve se humilhar deixando de ser ansioso. Logo, a ansiedade é um fruto do orgulho. E qual o maior desejo do orgulhoso, senão o de ser Deus? Como ele não consegue, e percebe que o mundo não está em seu controle, fica ansioso com o futuro que ele não consegue dominar. Isso é um ataque feroz contra a soberania de Deus, e um desejo satânico de tomar o lugar do Senhor. Quais são os resultados? Lamento, ansiedade, angústia e, muitas vezes, gastrite.
Consegue ver a relação? Consegue perceber o quanto as nossas dores no estômago podem revelar pecados graves? Repito que, mesmo que a raiz seja pecaminosa, o tratamento, em parte, é medicamentoso. Deus usa os meios naturais também para tratar desvios espirituais. Entretanto, além dos meios medicinais, mais urgente ainda é o reconhecimento da miséria da ansiedade. Quando o frio na barriga ousar nos derrubar, aceitemos a queda de nosso orgulho, ouvindo a poderosa voz do único Senhor:
"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra." (Salmo 46.10)
Notas
1. LLOYD-JONES, Martyn. Por que prosperam os ímpios? Estudo no salmo 73. Editora PES, 1 Ed. p. 52.
Rodrigo Caeté
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