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Ruminação espiritual e os Tristemunhos


Muitas igrejas criaram o hábito de reservar um momento específico na liturgia para os famosos "testemunhos". Aqui neste texto, rebatizei de "tristemunhos", pois não são poucos os casos lamentáveis de participações que louvam mais a vida de pecado que a libertação salvífica através da Cruz. Podemos chamar isso de "ruminação espiritual", que é quando o cristão vive de mastigar a vida de pecado que volta do estômago. 

Meu propósito não é discorrer acerca da validade ou não dos testemunhos dentro do princípio regulador do culto. Isso é assunto para outra ocasião, pois há algo muito mais grave sendo normalizado, sobretudo diante de um contexto eclesiástico no qual a performance quanto à oratória e carisma tem sido cada vez mais valorizada em detrimento da ênfase cristocêntrica. Esse contexto é propício para os contadores de história carentes de conteúdo bíblico, que encontram uma plateia carente de dopamina espiritual e que aprendeu a se satisfazer com os coaches evangélicos. 

Eu não vejo problema em alguém contar a respeito da maravilhosa graça realizada em sua vida. Pelo contrário, pois esse tipo de testemunho energiza a nossa fé, desde que isso não seja de forma espalhafatosa, rotineira e maquiada. O problema é que muitos têm feito isso de profissão, com agenda e tudo para o ano todo. Cada dia, tal pregador irá testemunhar em tal igreja. Ora, isso é muito esquisito, principalmente quando a prática se revela uma ruminação espiritual, com o pregador remastigando seus pecados do passado. O apóstolo Paulo foi muito claro quando nos ensinou sobre a forma cristã de se viver, deixando as mazelas do passado para trás e prosseguindo para o alvo (Filipenses 3.13-14). Não tenho dúvida de que mostrar de onde Deus nos tirou é um grande testemunho, todavia duvido muito daquele que faz de tal testemunho uma forma de se enriquecer. 

Espero que tenha ficado claro que o ponto de crítica não são os testemunhos em si, mas a ruminação de pecados que Deus já lançou no mar do esquecimento (Miqueias 7.18-19). Uma vez que foram perdoados e, principalmente, já que foram a causa da morte de meu Salvador, para o cristão remastigar os pecados que feriram meu Amor.

Rodrigo Caeté

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