Pular para o conteúdo principal

Curiosismo: um vício normalizado


Eu escolhi a palavra "curiosismo" e não "curiosidade" exatamente para aproveitar a semântica do sufixo "ismo", que denota vícios em geral. Quando refiro-me a "vícios", também não uso a significação popular, mas o seu contraste com a virtude. Ou seja, estou a falar dos vícios e virtudes do ser humano em seu estado de depravação e graça. Quanto ao curiosismo, não são poucos os que dizem que o desejo de saber é algo natural no homem, seja saber da vida alheia, saber das novidades das redes sociais ou mesmo conhecer um pouco mais das ciências modernas. Mas será que isso é realmente algo virtuoso ou no mínimo "neutro" moralmente falando? E se eu disser que a "curiosidade" pode ser pecado? 

Está curioso para saber as bases bíblicas? Note que eu usei a palavra "pode" quando disse que "pode ser pecado", pois creio que um dos grandes males da curiosidade é sua associação frequente com a ociosidade. Quando a curiosidade se casa com a ociosidade temos o curiosismo. Veja, por exemplo, esse verso bíblico: 

"Além do mais, aprendem também a viver ociosas, andando de casa em casa; e não somente ociosas, mas ainda tagarelas e intrigantes, falando o que não devem." (1 Timóteo 5.13) 

Neste único verso, vemos exemplos de fofoca, ociosidade, tagarelice, imodéstia no falar, intriga e, na linguagem moderna, aquele tipo de mulher que gosta de "bater perna", que seria andar à toa apenas para "sair de casa e ver as novidades da vida". Mas isso é assunto para outro texto. Fato é que tudo isso é criticado como um estilo de vida pecaminoso. O que eu queria mesmo é que o leitor reparasse a união de vícios como esses mencionados. Portanto, ao lado e por trás de todo desejo de saber por curiosidade, pode se esconder motivaçoes viciosas. O principal vício da curiosidade é mesmo a ociosidade. 

Quando alguém não encontra seu prazer unicamente em Jesus Cristo, a fuga pode ser nos entretenimentos das redes sociais. Você já se pegou rolando o feed de alguma rede ou mesmo vendo inúmeros stories do Instagram apenas para "relaxar e passar o tempo"? Não, isso não é uma virtude. Isso também não é algo neutro, mas não exige neutralidade moral. A nossa vivência é marcada pelos vícios ou virtudes. Quando estamos ociosos rolando sem fim os feeds e os stories, estamos glorificando a Deus? Para te ajudar a responder essa pergunta, colocarei abaixo alguns trechos do maravilhoso livro "A imitação de Cristo, de Tomás de Kempis: 

"Do amor à solidão e ao silêncio - Procura tempo oportuno para cuidar de ti e relembra a miúdo os benefícios de Deus. Renuncia às curiosidades e escolhe leituras tais, que mais sirvam para te compungir, que para te distrair. Se te abstiveres de conversações supérfluas e passeios ociosos, como também de ouvir novidades e boatos, acharás tempo suficiente e adequado para te entregares a santas meditações. Os maiores santos evitavam, quando podiam, a companhia dos homens, preferindo viver com Deus, em retiro. Disse alguém: 'Sempre que estive entre os homens menos homem voltei' (Sêneca, Epist. 7). Isso experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que não tropeçar em alguma palavra. Mas fácil é ficar oculto em casa, que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à vida interior e espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de esconder-se. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer (...). Se queres compungir-te de coração, entra em teu quarto, despede todo o bulício do mundo, conforme está escrito: Compungi-vos em vossos cubículos (Sl 4,5). Na cela acharás o que fora dela muitas vezes perdes. A cela bem guardada causa doçura, e pouco freqüentada gera enfado. Se bem a guardares e habitares no princípio de tua conversão, ser-te-á depois querida companheira e suavíssimo consolo. No silêncio e sossego faz progressos uma alma devota e aprende os segredos das Escrituras. Ali ela acha a fonte de lágrimas, com que todas as noites se lava e purifica, para tanto mais de perto unir-se ao Criador quanto mais retirada viver do tumulto do mundo. Aquele, pois, que se aparta de seus amigos e conhecidos verão aproximar-se Deus com seus santos anjos. Melhor é estar solitário e tratar de sua alma, que, descurando-a, fazer milagres. Merece louvor o religioso que raro sai, que foge de ser visto pelos homens e nem procura vê-los. Para que queres ver o que não te é lícito possuir? Passa o mundo e a sua concupiscência (1Jo 2,17). A inclinação sensual convida a passeios; passada, porém, àquela hora, que nos fica senão consciência pesada e coração distraído? À saída alegre, muitas vezes sucede um regresso triste, e à véspera deleitosa uma triste manhã. Assim, todo gosto carnal entra suavemente; no fim, porém, remorde e mata. Que poderás ver alhures que aqui não vejas? Eis: aqui tens o céu, a terra e todos os elementos; e deles são feitas todas as coisas. Que poderás ver, em parte alguma, estável debaixo do sol por muito tempo? Pensas talvez te satisfazer completamente? Pois não o conseguirás. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria senão vã fantasia? Levanta os olhos a Deus nas alturas e pede perdão de teus pecados e negligências. Deixa as vaidades para os fúteis; tu, porém, atende ao que Deus te manda. Fecha atrás de ti a porta e chama a teu Jesus amado. Fica-te com ele em tua cela, porque tanta paz em outra parte não acharás. Se não tivesses saído, e escutado os rumores do mundo, melhor terias conservado a santa paz; enquanto folgares de ouvir novidades, terás que sofrer desassossego do coração." (Capítulo 20, livro 1)

Eis aí a razão para tanta ansiedade: uma busca louca por saber o que se passa lá fora. Se estivéssemos trancados em nós mesmos, sem o curiosismo, teríamos a paz de espírito que tanto buscamos. Eis a razão para muitos outros vícios: se o curiosismo fosse evitado, muita tagarelice e muitos pecados sexuais também seriam. Haveria mais paz em nosso lar e menos desencantos com o mundo. 

Talvez você tenha começado a ler esse texto achando que a curiosidade era algo normal do ser humano. Infelizmente, tornou-se normal após a queda, pois os vícios estão presentes em todos. Mas nós que somos cristãos não podemos achar normal no sentido de validar ou justificar tal pecado. Jesus deu a vida para nos resgatar e nos dar um novo sentido de vida. Ele se fez nosso prazer e nosso amor, para que a alegria de nosso viver fosse apenas ele mesmo. Ele se fez totalmente desejável para que o nosso desejo seja conhecer e prosseguir em conhecer ao Senhor (Oseias 6.3). Portanto, quem tem Cristo como seu supremo amor não se deleita com as novidades desse mundo. Curiosismo é para quem, ociosamente, não tem Jesus como sua alegria.

Rodrigo Caeté

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ninguém explica Deus? Uma análise "preto no branco"

Este texto é uma análise da música “Ninguém explica Deus”, da banda Preto no Branco. Esta música tem feito sucesso no meio gospel , e, como a maior parte da música evangélica atualmente, também tem influenciado bastante na teologia nacional. A questão que se levanta é: será que a teologia pregada (Lutero dizia que a música é a teologia cantada) – direta ou indiretamente – por meio dela está correta? Ela está explicando  acertadamente sobre Deus? Sendo sincero com os autores da letra, dá para entender o que eles estavam querendo dizer com esta música. Penso que a ideia é que, em última análise, nenhum ser finito e criado consegue por força própria c ompreender e explicar o SENHOR na Sua totalidade. Isso é um fato indiscutível! A questão é que entre o que se quer dizer e o que se diz pode haver um abismo gigantesco, e é aí que reside o problema! Em suma, a música congregacional existe para que todos, tanto a pessoa simples e menos culta, quanto a que tem um nível est

Santificação Psicológica e Rituais Evangélicos

No nosso arraial evangélico, sobretudo em momentos de retiro espiritual e encontros de casais, é comum depararmo-nos com um ritual chamado “culto da fogueira”. Quem nunca participou de um, não é mesmo? Esse ritual tem o objetivo psicológico de “queimar”, por assim dizer, os nossos pecados cometidos. Não ouso negar sua eficácia emocional, pois eu mesmo já “senti” que meus pecados foram expurgados na hora em que o bendito papel estava sendo queimado. Que momento psicologicamente maravilhoso e emocionante.  Além do “culto da fogueira”, recentemente me deparei também com o ritual “oração a Deus por meio do balão de gás”. A questão era simples: deveríamos escrever nossos pedidos de oração numa pequena folha de papel e colocar dentro de um balão, que seria inflado com gás e subiria “aos céus”. Não duvido que muitos, vendo aquele balão subindo até sumir da vista, sentem que suas orações chegam lá. Que estratégia emocional e psicológica magnífica! Bem, qual é o problema disso tudo? Tudo.  Assi

DA SÉRIE: LOUVORES HERÉTICOS - LINDO ÉS

Existem algumas músicas que falam do desejo de humilhação de quem canta. Geralmente é assim: "Eu quero me humilhar diante de Ti Senhor", ou algo parecido. O grande problema é que o pressuposto desse clamor é um estado natural de exaltação, o que é um equívoco ao se tratar de um ser humano. O único que de fato se humilhou aqui na terra foi Jesus Cristo. Quando Paulo fala em Filipenses que Ele se esvaziou de sua glória e se humilhou, em outras palavras o apóstolo está dizendo apenas uma coisa: ELE SE TORNOU HOMEM! Cristo não deixou os seus atributos divinos justamente porque ele continua sendo 100% Deus; o humilhar-se dele é o SER UM DE NÓS, HUMANO! O ponto é que ser humano já é um estado de humilhação! Já somos por natureza humilhados. Então, meu amigo querido, não existe a opção "quero me humilhar", a não ser que você seja Deus, o que não é o caso. O que existe é: "eu reconheço meu estado triste de humilhação!" Uma boa canção exige uma do