Alguém sofreu mais do que Jesus Cristo? Em nenhuma hipótese. Não estou a falar de seu martírio físico, como chicotadas violentas a ponto de deixar seu corpo em carne viva. Não estou também falando da crucificação sangrenta e de seu lento sufocamento até a morte. Refiro-me ao amargo e pesado cálice da ira do Pai que Jesus teve que suportar (Mateus 26.36-46). Não há dúvida de que o homem que mais sofreu nesta terra foi Jesus Cristo, e ele jamais pensou em tirar a sua vida antes de se cumprir o que Deus Pai determinou para ele quanto ao seu e fim e o modo de sua morte.
Como Cristãos, somos chamados a seguir as pegadas de Cristo, abraçando seu sofrimento, que é uma das grandes evidências de que estamos no estreito caminho que conduz à vida eterna. O apóstolo Paulo, por exemplo, foi outro homem que padeceu grandemente. Quando estava para defender seu apostolado diante daqueles que duvidavam dele, ele deixou esse pequeno resumo abaixo:
"em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez. Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas. Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me inflame? Se tenho de gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza." (2 Coríntios 11.23-30)
O mais surpreende, contudo, não é ver a alegria de Paulo diante de extremo sofrimento, mas vê-lo proferir as assustadoras palavras abaixo:
"Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas." (2 Coríntios 4.16-18)
Preciso enfatizar essas palavras: leve e momentânea tribulação. Aquele mesmo homem que elencou uma série de sofrimentos disse que tudo isso é leve e momentâneo. Estaria ele relativizando a dor? Seria o apóstolo um masoquista amante do sofrimento pelo sofrimento? Negativo. Veja a razão de Paulo ter essas cosmovisão da dor: "Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas." A dor só é leve quando contrastada com o eterno peso de glória. Só é momentânea quanto contrastada com a eternidade da glória com Cristo. Paulo ainda finaliza dizendo que todo aquele que maximiza o sofrimento está a evidenciar que tem seus olhos plantados no plano terreno, vivendo como um homem carnal que não tem Deus.
O que seria, portanto, a eutanasia, senão uma prática pagã? É uma forma de rejeitar os sofrimentos do Senhor, negando seguir as pegadas de Cristo, como muitos professos cristãos da Igreja Universal fazem através do slogan "pare de sofrer". Isso significa que apenas os não cristãos podem praticar o suicídio assistido? Não mesmo. Dizer que é uma prática pagã é dizer que é algo condenável, como é o estilo de vida do ímpio. No último dia, absolutamente todos irão comparecer ante o tribunal divino e terão que responder por cada quebra de mandamento, como, por exemplo, a quebra do "não matarás" (Êxodo 20.13). Deus não irá aceitar nenhuma aferição subjetiva quanto ao sofrimento, mas irá pesar na balança o sofrimento de seu filho Jesus com o sofrimento de cada um. Ora, quem resistirá? Se hoje muitos depositam valor à vida dependendo das circunstâncias, tornando assim subjetivação a aferição da dor, naquele dia, diante de Deus, todo julgamento divino seguirá critérios objetivos da Palavra de Deus.
Infelizmente, aquilo que víamos fora dos templos religiosos, a banalização da vida a partir de critérios subjetivos e circunstanciais, temos começado a ver dentro de nossos muros. Uma reportagem publicada no portal "Guiame" trouxe à tona uma notícia de uma igreja no Canadá que praticou em seu templo o suicídio assistido com um de seus membros. Denominando "Cerimônia da Travessia", a Churchill Park United Church of Winnipeg se tornou a primeira igreja na cidade de Manitoba a praticar o assassinato permitido. A voluntária foi uma senhora de 86 anos, Betty Sanguin, que sofria Esclerose Lateral Amiotrófica. Segundo a reportagem, assim se posicionou o líder da igreja, o reverendo Dawn Rolke:
"Para nós, foi perfeitamente natural realizar este culto para Betty em nosso santuário, porque a morte é uma parte natural da vida e Betty viveu boa parte de sua vida adulta nesta comunidade de fé." (Disponível em <https://guiame.com.br/gospel/noticias/igreja-no-canada-faz-cerimonia-de-suicidio-assistido-e-recebe-criticas.html>)
Notou a banalização da vida a partir de pressupostos cristãos equivocados? O fato de a morte ser algo natural da vida, após o pecado, não é razão para se provocá-la. O soberano sobre ela sempre será o Senhor, autor e doador da vida (Eclesiastes 8.8; Jó 30.23; Salmo 68.20). Além dessa ideia errada sobre a morte, ainda a enxergam como uma fuga para a dor. Todavia, para os impenitentes, a morte será apenas um meio para levá-los ao sofrimento eterno da ira de Deus. A morte será preciosa para o Senhor apenas quando um justo passar por ela (Salmo 116.15), mas apenas Ele pode determinar a ação final da morte.
Mas e quando a dor parecer realmente insuportável? E quanto estivermos diante de entes queridos agonizando em nossa frente não havendo mais nenhum recurso a se buscar? Quanto a isso, Norman Geisler oferece a seguinte resposta:
"Mas é certo olhar um homem sofrer, sem procurar aliviar sua agonia? Não, claro que não. Mas há muitos meios, excluindo a morte, para aliviar o sofrimento. A Bíblia recomenda drogas para este propósito. "Dai bebida forte aos que perecem e vinho aos amargurados de espírito" (Pv 31:6). Pode-se atirar um tranquilizante, mas não uma bala de fuzil, num homem preso num avião em chamas. Mesmo no caso de drogas não serem disponíveis, deve-se usar todos os métodos, menos tirar a vida, para aliviar o sofrimento. O corpo tem um limiar natural de dor. Os homens caem na inconsciência antes de sofrerem indevidamente. No caso de incêndio, os homens usualmente morrem pela fumaça antes das chamas consumi-los. Tomá-lo inconsciente com um golpe ou precipitar a inconsciência para aliviar seu sofrimento seria justificável, mas tirar sua vida, simplesmente porque está sofrendo, e/ou simplesmente porque pede, não o é." (Ética Cristã. Norman Geisler. São Paulo:Vida Nova 2006. Disponível em <http://averacidadedafecrista.blogspot.com/2018/03/eutanasia-distanasia-e-ortotanasia.html?m=1>)
Eu sei que há um apelo emocional muito grande quando casos assim atingem nossa família. Entretanto, jamais devemos colocar nossas emoções acima do padrão escriturístico. Deus é contra qualquer interrupção precoce da vida. Ainda que saibamos que tudo está milimetricamente determinado pelo Senhor, tornando nula qualquer possibilidade de uma morte "precoce", já que tudo ocorre no tempo certo, a Bíblia jamais nos isentou de nossas responsabilidades. Toda quebra de mandamento será duramente punida pelo Senhor, e nenhum suicídio assistido passará ileso, seja tendo sido punido em Cristo ou punido em breve.
Rodrigo Caeté
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