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Quão Fundo é o Poço? 

 

Escrevo para você que acha que chegou a tocar no fundo do poço; as paredes desse ambiente são mais sombrias, e não se vê mais a luz da saída. Calma, você ainda não chegou lá. Sim, pode piorar. 

Escrevo para você que, por razões diversas, tem sido esmagado por Deus. Talvez você não tenha ouvido que "Perigoso" é um dos belos atributos da Divindade. Seja amado por Ele e estará em apuros; busque a santidade e correrá perigo; ore "venha o teu reino, faça-se a tua vontade", e poderá ser tombado. Entenda que para que tu sejas santo, puro e cada vez mais próximo de Deus, precisa morrer, ser esmagado em seu orgulho, ser dilacerado em seu desejo louco de querer tudo no seu tempo e conforme a sua vontade. É perigoso demais ser amado por Deus, e Moisés sentiu o peso desse amor ao não poder entrar na terra prometida. 

Uma pequena ilustração de nosso dia a dia nos ajuda a entender melhor isso. Olhe para aquela relação de pura amizade cujo amor solta aos olhos. Quando se é amado demais, exige-se, sem que se perceba ou force, muita lealdade, cumplicidade, confiança, etc. Mas um pequeno erro causa grande ferida no outro, não pelo tamanho da ofensa, mas por não se esperar de quem muito ama e é amado. Ser amado, portanto, é perigoso, mas bom; ou bom, mas perigoso. Moisés era muito próximo do Senhor; caminhava realmente com Ele, sendo muito amado, mas bastou bater na pedra, invés de falar, para não mais entrar na terra prometida, mas apenas ver de longe. Por quê? Porque era demasiadamente amado por Deus. Qualquer outro talvez não sofresse tal punição, mas foi um homem especial do Senhor, e o amor lhe foi perigoso. 

Voltando ao ponto do texto, muitas vezes as amorosas mãos de Deus te levarão a cair além do chão, além do barro de onde veio, abaixo da humilhação, onde se sentirá abandonado por Deus, pois próximo ao fundo não se enxerga com facilidade a luz, a graça. Lá, é até difícil respirar direito, pois a ansiedade se sente mais à vontade, os medos voltam, a dúvida prega belos sermões, e a esperança dá as costas. Parece realmente o fundo do poço. 

Mas... Ah, esse mas... Você não chegou ao fundo; sim, pode piorar. Está assustado? Pois fique, e não brinque nem brigue com o Deus Perigoso ou com o Pecado. Quanto a este, saiba que ele é insaciável. Fundo do poço? Ele não conhece limite. Quando ele consegue matar, ainda persegue aquele a quem matou durante a morte eterna. "Que descanse em paz!" pode ser chacota, pois se isso é dito sobre um ímpio que se foi, tola declaração, já que por toda eternidade o pecado, sem o freio da graça, atormentará o impenitente por toda morte eterna. Então, achas mesmo que ele conhece o fundo do poço aqui? Ele não descansa ou fica satisfeito, mas persiste com ainda mais vigor quando consegue enfraquecer um homem. Portanto, aí ainda não é o fundo do poço. 

E por falar em freio da graça, eis a principal razão do porquê não chegou lá embaixo. Deus nunca permitirá que tu sejas tão mau quanto poderias ser; Ele tem guiado a sua vida com santo freio que te empede não apenas de cair definitivamente da graça, como também de se afundar no mais profundo lamaçal de pecado. Vez por outra, Ele retira o freio, por razões de didática santificação, mas logo põe novamente. Todavia, quem se afunda no poço do pecado é a pessoa mesmo, que por sua livre maldade vai cavando seu buraco. Então, sim, o fundo não é aí, mas não é porque o freio da graça te impediu de chegar lá. 

Aos que estão nesse poço, escrevo para que aguardem o derramar da água da vida mais uma vez. Quando a água sobe, você também sobe, e pode sair dessa. Mas nunca se sabe se o período de seca será longo. Algumas vezes a escassez é extrema, e o solo fica rachado com a ausência da água, mas ela virá, ainda que pareça demorado. Portanto, aguarde, e não perca a sede e a esperança. 

Deus é Perigoso, mas é Bom; suas mãos são agitadas, mas sábias; seu agir é incalculável, mas é providente; sua fama é de amor, mas és também surpreendente. Oh, Senhor, tu és o nosso rochedo, nossa fé e esperança. Sempre que eu cair, que sejam tuas boas mãos a me derrubar, e quando eu lá ficar, que sejam elas mesmas a me resgatar antes que eu desfaleça. Resgata-nos, Deus, e nos reerga novamente. A ti, nosso amor, adoração e dor, amém.

Rodrigo Caeté 

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