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Amor e ódio: o Deus que ama “odiando” e odeia “amando”


A Escritura já tinha nos alertado acerca da frieza em relação ao amor, que seria cada vez mais evidente com o avanço da iniquidade (Mateus 24.12). Contudo, a triste notícia é que não apenas o amor está se esfriando, como também sua definição está cada vez mais distante da Bíblia. Esta tem sido uma geração que acha que ama com o "sim" e odeia com o "não”, ou seja, acha que amar é conceder tudo o que o outro quer, fazendo de tudo para que o tal jamais se aproxime da dor e do sofrimento. Ora, como Deus ama? Quero oferecer um padrão claro de amor na Bíblia. Esta é a história de dois irmãos: 

"Como está escrito: Amei a Jacó, e odiei a Esaú." (Romanos 9.13). 

O foco de Paulo, neste texto de Romanos, é a eleição divina. Deus escolheu Jacó como aquele que continuaria a linhagem da aliança até Jesus, e isso foi bem antes de ele e seu irmão nascerem, não havendo, assim, nenhuma possibilidade de eleição com base nas obras. Portanto, Deus amou a Jacó, e isso não tem absolutamente nada a ver com este merecer tal amor. Enquanto o ódio de Deus tem como fundamento a rebelião do homem herdada de Adão, como foi no caso dos gêmeos Esaú e Jacó, o amor divino tem como fundamento unicamente sua graça, a partir dos méritos de Cristo. Este amor mirou o rebelde Jacó. 

As perguntas que lanço são: Como Deus amou a Jacó? E como o Senhor odiou a Esaú? Segundo a ótica do mundo, Deus deve ter odiado Esaú espancando-o de todas as formas, dando-lhe doenças infinitas, matando sua família, e fazendo todo tipo de maldade inimaginável. E teria amado a Jacó concedendo-lhe as mais pomposas bençãos materiais e espirituais. Jacó, segundo o amor do mundo, teria sido mimado a tal ponto de nada lhe faltar. Será que foi assim mesmo? 

"Levantando Jacó os olhos, viu que Esaú se aproximava, e com ele quatrocentos homens. Então, passou os filhos a Lia, a Raquel e às duas servas... Então, disse Esaú: Eu tenho muitos bens, meu irmão; guarda o que tens." (Gênesis 33.1,9) 

Essa foi a resposta que Esaú deu ao seu irmão Jacó após muitos anos separados. Aparentemente, Esaú era um homem próspero e bem sucedido. Não temos muitos relatos sobre sua vida posterior. Sabemos apenas que foi um homem ímpio e profano (Hebreus 12.16-17). E quanto a Jacó? Ele foi espancado por Deus. Toda a sua vida foi de disciplina e sofrimento. No episódio de Gênesis 32, por exemplo, ele luta com Deus e sai mancando. Ora, isso é amor? É, e é essa definição que muitos estão perdendo atualmente. 

Obviamente que não estou a dizer para, por exemplo, pais saírem espancando seus filhos como prova de amor. O ponto não é esse e nem apenas sobre criação de filhos. Estou mirando as relações de modo geral, seja entre Deus e os homens e entre nós mesmos. Veja o que o Senhor diz sobre amor: 

"Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos." (Hebreus 12.5-8) 

Diante disso, como Deus odiou a Esaú? Concedendo-lhe toda felicidade possível nesta vida. Deus deixou Esaú ser Esaú, sem nenhuma disciplina ou correção. Esse é o ódio que concede plena liberdade. Esse é o ódio que concede toda riqueza e saúde. Esse é o ódio que muitos amam. Quanto a Jacó, Deus o cercou de todos os lados e jamais o deixou livre para ser Jacó. Deus o feriu. Esse é o amor que arrebenta e machuca seus servos, como fez com Jó. É o amor que nos presenteia com doenças e tragédias. É o amor que tira a nossa liberdade de sermos quem queremos. 

No fim das contas, esse "ódio" de Deus pelos santos é o mais profundo amor que nos conduzirá a bela eternidade, enquanto que este "amor" pelos ímpios é a maior tragédia do homem, que o conduzirá ao tormento eterno e, finalmente, ao verdadeiro ódio por toda eternidade. 

Quero encerrar com 3 aplicações para a nossa vida: 

1) Não olhe para a vida bem sucedida do ímpio com inveja. Leia o salmo 73 e veja o fim deles. Por outro lado, não olhe para a tragédia de um cristão achando que Deus está punindo com ódio. Ali pode estar apenas mais uma forma de amor divino. 

2) Jamais diga que ama seu filho se você é incapaz de dizer "não" a ele ou mesmo discipliná-lo, seja verbal ou fisicamente. Só ama, de fato, quem disciplina. 

3) Não fuja da disciplina do Senhor, ainda que a dor seja intensa. Fique aí onde está com gratidão. Esse sofrimento talvez seja a maior evidência do cuidado do Senhor sobre sua vida. Deus tem formas estranhas de amar, mas, no fim, ninguém negará que é amor. Deus te abençoe!

Rodrigo Caeté

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